Autor: Hênio F. da Fonseca Tinoco, engenheiro civil, mestre e professor universitário (heniotinoco@unp.br)
A escolha da cidade do Natal para uma das sedes da Copa do Mundo de 2014 gerou e continua gerando muitas discussões. As opiniões são as mais variadas. Acredito ser quase uma unanimidade o desejo de que a cidade do sol continue integrando o "G 12", porém, são grandes as divergências quando se fala no local onde serão realizados os jogos. O nível e a qualidade do projeto apresentado, foram determinantes na seleção da FIFA, dizem os mais bem informados. Falem o que quiserem, mas realmente trata-se um projeto magnífico (é o máximo de minha análise, uma vez que não me aprofundei nos detalhes).
Muito bem. Para viabilizar a execução de tal projeto, da maneira como foi apresentado e aprovado, seria inevitável a demolição de todas as obras que hoje se encontram na imensa área (45 hectares) no bairro de Lagoa Nova, por alguns chamada de "Largo do Machadão". Além do velho estádio, iriam abaixo o ginásio Humberto Nesi (Machadinho), os prédios do centro administrativo, kartódromo, papódromo, etc. Os bravos defensores da permanência dessas obras, legitimamente, apresentam seus argumentos, quase sempre chamando a atenção para o "desperdício de dinheiro público" ou para a "destruição de um patrimônio da arquitetura potiguar". Outros falam na falta de infra-estrutura, e até no "pecado" de destruir o local que recebeu o nosso João de Deus (Papa João Paulo II).
Muitas são as manifestações que vemos, lemos e escutamos nos veículos de comunicação e nas várias rodas de pessoas bem ou mal informadas, de leigos e especialistas de plantão. Na minha ótica, para que Natal não deixe passar essa oportunidade única e de fundamental importância para o seu desenvolvimento (e não estou falando do nosso futebol, é claro!), é oportuno canalizar também as discussões em torno dos aspectos de natureza técnica.
O CREA, desta vez, está fazendo seu papel, se pronunciando corajosamente e convocando a comunidade para o debate. É desnecessário ser repetitivo no aspecto do crescimento econômico, assim como com relação às transformações significativas pelas quais os países que sediaram o mundial passaram, mudando radicalmente (para melhor) sua infra-estrutura e seus índices de desenvolvimento social. Isto é fato. Em se tratando de demolir ou não demolir, devemos também avaliar esta questão sob o ponto de vista da utilidade ou funcionalidade a longo prazo.
Dentro da engenharia procuramos projetar e construir obras de qualidade, as quais devem, até por exigências de norma, cumprir suas funções com desempenho satisfatório durante um determinado período, sem elevados custos de manutenção e reparo. Esta é a definição clássica de vida útil. Nos tempos modernos temos, por responsabilidade e obrigação, que executar obras duráveis, mas não eternas.
Um importante pesquisador brasileiro da área de construção civil, professor Wladimir Antônio Paulon (Unicamp), relaciona o conceito de durabilidade com o tempo de uso e obsolência de uma obra, fazendo uma distinção entre obra perene e obra durável. A primeira é considerada indestrutível, mas não necessariamente útil. Por outro lado, a obra durável permanece útil apenas durante o tempo que se deseja.
Portanto, o que importa, na realidade, é que não podemos mais nos dar ao luxo de construir ad aeternum como procuravam fazer gregos, romanos e egípcios, mas que a obra conserve suas características originais durante sua vida útil. Mário Collepardi, outro importante pesquisador da Itália, considerado uma das maiores autoridades mundiais em estruturas de concreto, alerta para antigas edificações que se tornaram obsoletas em menos de um século ou, em alguns casos, em poucas décadas. A verdade é que as obras também envelhecem, ficam para trás, não acompanham a evolução e perdem sua funcionalidade, muitas vezes tornando-se verdadeiros dinossauros empalhados que servem apenas para serem admirados e fotografados.
O ciclo do Machadão, se não chegou ao fim, um dia chegaria, a exemplo do que aconteceu com antigas construções aqui mesmo em Natal, entre elas grandes e memoráveis praças esportivas. A realidade é que o seu fim foi antecipado, não só por causa da Copa do mundo de futebol, mas também pelo descuido e falta de políticas de manutenção preventiva, como acontece com maioria das nossas obras de arte da engenharia.
Os exemplos de obras que resistem ao tempo são inúmeros, como o templo de Panteão em Roma, concebido em 27 a.C., o aqueduto de Segóvia na Espanha, as pirâmides do Egito e o Coliseu de Roma, além de outras, mas isso hoje não é mais possível nem aceitável. Respeitando as divergências e esquecendo os interesses escusos, prefiro pensar no progresso, no desenvolvimento, na geração de empregos, na evolução da própria arquitetura e da engenharia locais, essas sim nunca mais serão as mesmas. E nós também.
Fonte: http://www.jornaldehoje.com.br/portal/noticia.php?id=17575
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